Meu amigo foi repreendido pelo zelador do nosso setor por
ter deixado cair um pedaço de papel na rua. Ele declarou que não viu quando o
papel caiu da sacola que ele carregava e só não foi detido porque sua
declaração foi confirmada pelos investigadores e considerada verdadeira. Estava
ali a conversar com ele e me lembrei do que minha avó me contava sobre o que
ocorria com episódios semelhantes que aconteciam na sua época. As cidades eram
muito sujas, segundo ela informou, porque em geral as pessoas não se importavam
em largar em qualquer lugar os restos daquilo de utilizavam. Pedaços de papel e
outras coisas existiam em abundância pelas ruas e calçadas. Minha avó relatava
que até móveis e outros objetos de tamanho grande eram largados pelas pessoas
em áreas públicas. Algumas cidades adotavam leis para punir os cidadãos que
largassem sujeira pelas vias públicas, mas muitos preferiam pagar as taxas de
punição a ter de assumir como hábito usar recipientes que eram chamados de
lixeira para depositar os restos do seu consumo. E os sujões só eram
identificados se fossem vistos jogando seus restos pelo caminho. Se não fossem
vistos nunca seriam punidos. Comentei isso com meu amigo e ele ficou surpreso.
Ele não tinha avós nem os pais dos seus avós, porque morreram antes de poderem
ser beneficiados com as técnicas de prolongamento da vida.
- É sério mesmo. Minha avó me conta muito coisa do tempo em
que era menina, ou até de antes, porque a mãe dela também se lembrava de coisas
semelhantes.
Expliquei para meu amigo que naquele tempo não havia
identificação do DNA espontaneamente. Só era feito o reconhecimento do DNA se isso
fosse requerido pela Justiça, ou se a própria pessoa pedisse e pagasse um teste
para conhecer sua identidade genética. Na verdade, segundo me informou o meu
avô, o DNA era usado como material de prova da paternidade de alguém, em inquéritos da polícia, para
identificar se um acusado era autor ou não era autor de um determinado crime.
Quando ele me contou isso fiquei muito confuso, porque me pareceu que o DNA
estava então sendo usado para fins negativos, como se fosse uma parte de nós
atrelada a um crime. Abri um arquivo no meu computador e mostrei para meu amigo
o período em que o DNA fora adotado para esses fins: nos anos de 1950 até por
volta de 2020.
Só depois desse período a identificação do DNA passou a ser
um direito de todo cidadão e uma lei determinou que o teste fosse incorporado
ao conjunto de procedimentos adotados com o recém-nascido. Com isso também foi
abolido um papel identificado como certidão de nascimento, que continha informações como
nome, hora e data do nascimento, nomes de pai, mãe, avôs e avós.
Com o registro obrigatório de todo cidadão, também se
ampliou a possibilidade de coibir a criminalidade que sempre houve em todas as
cidades. Se antes era preciso colher material para identificar um criminoso na
hora em que era detido, agora todos eles já traziam como identidade seu código
genético, que constava em bancos de dados. Pelo que pesquisei
depois que meu avô me informou, passaram-se algumas décadas até que a
tecnologia avançasse ao ponto de ser possível saber quem jogou um pedaço de
papel na rua, ou quem tocou na escada que levava ao local de um crime, ou quem
acariciou o cachorro do vizinho.
Não foi necessária muita pesquisa para levar a essa realidade,
pois havia ferramenta suficiente para adotar essa forma de identificação. Um
dia os cientistas perceberam que podia ser usado um scanner com um leitor
digital, com acesso ao banco de dados das identificações genéticas, e seria
possível reconhecer o DNA em qualquer lugar. Minha avó dizia que no tempo dela
o que havia de mais avançado e parecido com isso era o leitor de código de
barras, que facilitava a identificação de objetos e documentos.
Por isso tudo é que meu amigo foi identificado e logo em
seguida liberado, porque além do leitor de DNA os investigadores contam com um
equipamento que identifica as alterações emitidas pelo cérebro do indivíduo e ficam sabendo se a pessoa mente ou diz a verdade. Meu amigo afirmou que não havia visto o papel cair da sacola que
carregava e sua declaração foi confirmada. Foi repreendido, mas não ficou detido.
Meus avós ainda se surpreendem com a limpeza das ruas das
nossas cidades e, mais ainda, com as técnicas usadas para a manutenção desta e
de outras limpezas.