10 janeiro 2016

Quero ir pra escola!

Tive vontade de saber como seria frequentar uma escola do tempo da minha avó. Ela me contou que ainda pequena saía de casa e era deixada em uma escola com crianças da mesma faixa etária. Os mais velhos ficavam em outra instituição. Mas a geração dela foi a última a ir para uma escola. A partir da sua irmã, que nasceu dois anos depois, os recém-nascidos passaram a receber toda informação e aprendizado escolar em arquivos compactados inseridos no sistema nervoso por meio de chips. Os responsáveis pela criança ficavam encarregados de ir liberando as informações de acordo com a programação do sistema de ensino.
Desde que minha avó me contou que saía de casa para ir a uma escola fiquei imaginando como seria isso. Ela disse que as crianças eram distribuídas em várias salas e que havia pessoas adultas que transmitiam todas as informações escolares. Eram professoras e professores que sabiam mais que as crianças e ensinavam vários assuntos, da matemática às línguas faladas na época. Eram muitas crianças em cada sala, que nos intervalos do ensino saíam para brincar em um pátio interno. Depois voltavam para a sala para continuar o aprendizado.
Ela passava na escola mais da metade do dia. Ia de manhã cedinho e retornava no final da tarde, cheia de histórias para contar. Conhecia muitos meninos e muitas meninas e com eles às vezes fazia passeios fora da cidade. Alguns desses colegas minha avó conservou como amigos pelo resto de sua vida e, com certeza, eles também contam suas experiências para seus netos.
Se eu fosse para uma escola ia querer conversar com o adulto que ensina as crianças. Ele ou ela deve ter bastante conhecimento para transmitir. Minha avó disse que o melhor de tudo era brincar com os colegas. Ela só conversava com o professor se fosse necessário. Ela lembra que eles eram rigorosos com a disciplina e não gostavam muito de conversar com as crianças se não fosse sobre o assunto tratado no ensino.
Naquele momento minha mãe me alertou que estava na hora de eu me concentrar na nova carga de informações que seriam liberadas. Era minha escola e eu tinha que esquecer um pouco o sonho de frequentar uma instituição como as de minha avó.

06 janeiro 2016

Um pato lá em casa

Resolvi requerer para a coordenadoria de serviços de saúde um animal de estimação. Peguei esse termo emprestado nas histórias contadas por minha avó sobre a mãe dela. Em algumas de suas múltiplas e inúmeras recordações, ela contou que minha bisavó tinha um cãozinho, que nasceu e morreu junto dela, e que era um amigo, e que além dele houve outros cães e gatos na família. Fiquei imaginando como seria criar um animal em casa, que não fala a nossa língua, que tem necessidades diferentes das nossas, que tem um período de vida bem encurtado, que depende de um humano para muita coisa. Não conseguia imaginar como que um animal poderia ser um amigo de um de nós. Mas pode ser que estivesse agindo como todos os adolescentes de outras eras. Segundo minha avó foi informada, em geral as crianças e os adolescentes da época da mãe dela pediam um animal para os pais, que acabavam sendo responsáveis por eles, assim como eram com os próprios filhos.
Falei para minha mãe da minha vontade. Ela me olhou com uma interrogação no meio da testa, como se estivesse duvidando de minha vontade. Questionou meu desejo e foi logo avisando que não ficaria responsável pelo animal, informação que ela teve também com minha avó. Conversamos sobre o assunto e deixei claro que eu seria o responsável por tudo, pois eu iria até o setor de adoção dos animais e lá me responsabilizaria por ele.
No dia seguinte me dirigi ao local de criação de animais. É um imenso prédio onde funciona um laboratório de testes com animais de todas as espécies. Lá eles reproduzem artificialmente alguns exemplares. Hoje a gente não come mais carne de animal, como comiam no tempo da minha bisavó. Naquela época, os produtos animais eram consumidos por humanos, geralmente de bovinos, suínos, galinhas e similares. Também não é mais um hábito a interação entre humanos e animais, como já houve em outras épocas (havia até locais de confinamento e exposição de animais de várias espécies, que eram chamados de zoológicos). A proximidade de humanos e animais resultou, segundo pesquisa que fiz, em disseminação de doenças transmitidas pelos bichos e eles passaram a ser exterminados para preservar os humanos. Os animais passaram a ser objetos de estudo, em função da preservação da saúde do ser humano e da produção de alimentos. Aos poucos, os pesquisadores e governantes admitiram a convivência limitada e controlada de algumas espécies consideradas domésticas. Foi com base nisso que resolvi ter meu bichinho de estimação.
Quando cheguei ao setor de adoção fui logo identificado e interrogado sobre minha visita. Depois de requerer meu animalzinho (já estava me acostumando com nossa relação) e manifestar minha vontade de ter um cão ou um gato, fiquei sabendo que não poderia escolher a espécie. Fiquei preocupado e imaginando sair de lá com uma cobra, um porco, um avestruz. Porém, após ter requerido passava a ser obrigação sair de lá com um animal.
Foi um aprendizado essa minha decisão. Fiquei sabendo que muita gente requer um animal para criar em casa, embora não soubesse de ninguém nessa situação. Não ouvia latidos, miados; não via animais nas janelas e nas calçadas; não tinha amigos com animais em casa. Mesmo assim, o encarregado me informou que por causa da grande demanda, não havia cães e gatos disponíveis, nem coelhos ou pássaros. Havia aves maiores, bem como mamíferos grandes, que não estavam disponíveis para adoção. Então ele escolheu o meu animalzinho de estimação que trouxe dentro de uma caixa cheia de buracos. Ao colocar sobre o balcão, vi por um dos buracos da caixa um bico de pássaro, escuro, largo, e do outro lado penas cinzas, brancas e pretas. Um pato, disse o funcionário do laboratório. Um pato enorme, adulto, já incomodado com a caixa em volta dele. Em volta dele, havia dois filhotes, com penas ainda amareladas, bem bonitinhos. Fiquei assustado ao pensar que teria de levar todos para casa, mas o rapaz me tranquilizou dizendo que eu poderia escolher um dos três.
Com um animalzinho de penas amareladas, dentro de uma caixa de metal pequena, saí de lá feliz por ter meu primeiro animalzinho de estimação. Colado na caixa, um chip com as regras para a criação do pato, normas comuns a todos os animais. Primeira regra: manter sigilo sobre o animal. Comecei a entender por que não conhecia outros animais em qualquer lugar. Segunda regra: controlar o animal por meio de um aparelho que fazia parte do kit e que emitia sinais sonoros com informações para o animal, inclusive, e principalmente, relativas ao comportamento.
Se o animal emitisse um som - latido, miado, quá-quá - era preciso tocar o aparelho para que ele ficasse calado. Pular, correr, brincar só em horas marcadas antecipadamente pelo laboratório. Olhei para o meu pato e fiquei triste por ele. Na verdade nós humanos também temos nossas limitações legais, mas os animais eram muito controlados. Meu patinho começou a fazer um piado de pato e eu deixei que se manifestasse, embora ainda estivesse na via pública. Ao chegar em casa, abri a caixa e deixei que andasse pelos cômodos. Ele me pareceu feliz, andando desengonçado para todo lado e começando a deixar pelo chão suas necessidades fisiológicas. Levou um susto quando o aspirador identificou a sujeira e veio rápido limpar.
Há uma semana estou com meu patinho em casa. Contei para minha avó e ela me disse que nunca na família alguém criou patos dentro de um apartamento. Seria o primeiro então, com meu animalzinho solto pelos cômodos, com o aspirador sempre atrás dele, grasnando o dia inteiro, soltando penas amarelinhas que aos poucos vão escurecendo.