Resolvi requerer para a coordenadoria de serviços de saúde
um animal de estimação. Peguei esse termo emprestado nas histórias contadas por
minha avó sobre a mãe dela. Em algumas de suas múltiplas e inúmeras recordações,
ela contou que minha bisavó tinha um cãozinho, que nasceu e morreu junto dela,
e que era um amigo, e que além dele houve outros cães e gatos na família.
Fiquei imaginando como seria criar um animal em casa, que não fala a nossa
língua, que tem necessidades diferentes das nossas, que tem um período de vida
bem encurtado, que depende de um humano para muita coisa. Não conseguia
imaginar como que um animal poderia ser um amigo de um de nós. Mas pode ser que
estivesse agindo como todos os adolescentes de outras eras. Segundo minha avó
foi informada, em geral as crianças e os adolescentes da época da mãe dela pediam
um animal para os pais, que acabavam sendo responsáveis por eles, assim como
eram com os próprios filhos.
Falei para minha mãe da minha vontade. Ela me olhou com uma
interrogação no meio da testa, como se estivesse duvidando de minha vontade.
Questionou meu desejo e foi logo avisando que não ficaria responsável pelo
animal, informação que ela teve também com minha avó. Conversamos sobre o
assunto e deixei claro que eu seria o responsável por tudo, pois eu iria até o
setor de adoção dos animais e lá me responsabilizaria por ele.
No dia seguinte me dirigi ao local de criação de animais. É
um imenso prédio onde funciona um laboratório de testes com animais de todas as
espécies. Lá eles reproduzem artificialmente alguns exemplares. Hoje a gente
não come mais carne de animal, como comiam no tempo da minha bisavó. Naquela
época, os produtos animais eram consumidos por humanos, geralmente de bovinos,
suínos, galinhas e similares. Também não é mais um hábito a interação entre humanos e animais, como já houve em outras épocas (havia até locais de confinamento e exposição de animais de várias espécies, que eram chamados de zoológicos). A proximidade de humanos e animais resultou, segundo pesquisa que fiz, em disseminação de doenças transmitidas pelos bichos e eles passaram a ser exterminados para preservar os humanos. Os animais passaram a ser objetos de estudo, em função da preservação
da saúde do ser humano e da produção de alimentos. Aos poucos, os pesquisadores e governantes admitiram a convivência limitada e controlada de algumas espécies consideradas domésticas. Foi com base nisso que resolvi ter meu bichinho de estimação.
Quando cheguei ao setor de adoção fui logo identificado e interrogado sobre
minha visita. Depois de requerer meu animalzinho (já estava me acostumando com
nossa relação) e manifestar minha vontade de ter um cão ou um gato, fiquei
sabendo que não poderia escolher a espécie. Fiquei preocupado e imaginando sair
de lá com uma cobra, um porco, um avestruz. Porém, após ter requerido passava a
ser obrigação sair de lá com um animal.
Foi um aprendizado essa minha decisão. Fiquei sabendo que
muita gente requer um animal para criar em casa, embora não soubesse de ninguém
nessa situação. Não ouvia latidos, miados; não via animais nas janelas e nas
calçadas; não tinha amigos com animais em casa. Mesmo assim, o encarregado me
informou que por causa da grande demanda, não havia cães e gatos disponíveis,
nem coelhos ou pássaros. Havia aves maiores, bem como mamíferos grandes, que
não estavam disponíveis para adoção. Então ele escolheu o meu animalzinho de estimação que trouxe dentro de
uma caixa cheia de buracos. Ao colocar sobre o balcão, vi por um dos buracos da
caixa um bico de pássaro, escuro, largo, e do outro lado penas cinzas, brancas e
pretas. Um pato, disse o funcionário do laboratório. Um pato enorme, adulto, já
incomodado com a caixa em volta dele. Em volta dele, havia dois filhotes, com penas ainda amareladas, bem bonitinhos. Fiquei assustado ao
pensar que teria de levar todos para casa, mas o rapaz me tranquilizou dizendo que
eu poderia escolher um dos três.
Com um animalzinho de penas amareladas, dentro de uma caixa
de metal pequena, saí de lá feliz por ter meu primeiro animalzinho de
estimação. Colado na caixa, um chip com as regras para a criação do pato,
normas comuns a todos os animais. Primeira regra: manter sigilo sobre o animal.
Comecei a entender por que não conhecia outros animais em qualquer lugar.
Segunda regra: controlar o animal por meio de um aparelho que fazia parte do
kit e que emitia sinais sonoros com informações para o animal, inclusive, e
principalmente, relativas ao comportamento.
Se o animal emitisse um som - latido, miado, quá-quá - era preciso
tocar o aparelho para que ele ficasse calado. Pular, correr, brincar só em
horas marcadas antecipadamente pelo laboratório. Olhei para o meu pato e fiquei
triste por ele. Na verdade nós humanos também temos nossas limitações legais,
mas os animais eram muito controlados. Meu patinho começou a fazer um piado de
pato e eu deixei que se manifestasse, embora ainda estivesse na via pública. Ao
chegar em casa, abri a caixa e deixei que andasse pelos cômodos. Ele me pareceu
feliz, andando desengonçado para todo lado e começando a deixar pelo chão suas
necessidades fisiológicas. Levou um susto quando o aspirador identificou a
sujeira e veio rápido limpar.
Há uma semana estou com meu patinho em casa. Contei
para minha avó e ela me disse que nunca na família alguém criou patos dentro de
um apartamento. Seria o primeiro então, com meu animalzinho solto pelos cômodos,
com o aspirador sempre atrás dele, grasnando o dia inteiro, soltando penas
amarelinhas que aos poucos vão escurecendo.
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